quinta-feira, 2 de março de 2017

Breve história de terror no Carnaval


Máscaras também têm histórias
das peles que habitaram.
Bastam uns minutos de contato
(um cadinho de álcool ajuda)
e eu me mascaro de outro em mim
de suor e energia não meus.
Há riscos.
Máscara vai, pele fica
com tudo o que tiver direito
que no Carnaval o saldo fica equilibrado.

Texto produzido no Café Literário do dia 25/02/2017.

terça-feira, 24 de janeiro de 2017

Rindo da desgraça coletiva

“O melhor do Brasil é o brasileiro” é um mantra que vem sendo repetido pelas redes sociais.
Uma das características do brasileiro que deu causa a essa afirmação que é repetida o tempo todo é que gostamos de brincar em quase qualquer circunstância. Sentimos prazer em fazer rir. Temos orgulho de sermos pessoas espirituosas.
Com as redes sociais, estamos definitivamente empoderados porque nossa verve cômica não encontra limites, afinal dominamos a arte de criar memes que se espalham como se levados pelo vento.
Mas há um outro lado, nada divertido.
Estamos sob um Estado de exceção. Fomos vítimas de um golpe de Estado cujos objetivos vão ficando cada dia mais claros: a implantação de um neoliberalismo feroz e sem precedentes que irá vitimizar, principalmente, os mais pobres. As tímidas conquistas sociais da última década estão sendo varridas para debaixo do tapete. Com o discurso da contenção de despesas a elite econômica já começa a dar mostras de que seu investimento na desestabilização política já começou a render frutos.
Enquanto isso o povo faz memes. Engraçadíssimos, claro. Afinal, somos brasileiros, um povo que está de bom humor mesmo na desgraça.
Parece que a piada afasta a angústia do caos social que se aproxima decorrente das propostas do atual governo, que por sua vez está afinado com o Congresso que foi considerado o mais conservador e ilegítimo de todos os tempos. Mas ao mesmo tempo contribui para que fiquemos estagnados em nossa derrota. Rimos das chamas do inferno e assim ignoramos a queimadura. Consequentemente, não revertemos a tempo o processo da lesão corporal.
Atualmente as pessoas não se unem mais em torno de um exemplar físico de jornal para juntas interpretarem e discutirem a provocação constante de uma charge. Agora é cada um rindo sozinho atrás da tela do computador, com muita pouca chance de um compartilhamento de emoções reais que poderia levar a atitudes concretas.
Agora são tantos formadores de opinião postando o tempo todo, tantos a quem seguir, que carecemos de lideranças capazes de congregar os interesses, mesmo que diversos, e nos empurrar para além do ativismo de sofá.
A nostalgia me remete ao Circo para fins de analogia. Os palhaços estão fazendo graça para um público comodamente instalado na arquibancada. Há pipoca, refrigerante e até brindes para quem ficar até o final do espetáculo. Com o acender das luzes, vão embora da forma como vieram sem conhecer uns aos outros, sem vínculos. Nenhuma identificação que justifique comentários sobre os tropeços dos artistas ou sobre o politicamente incorreto de alguma piada. Apenas vão para casa dormir porque no dia seguinte têm que acordar cedo para continuarem sendo explorados, espetáculo que se repete toda noite e todo dia.
E os memes são produzidos incessantemente. Só que agora o Poder não precisa se ocupar do panis et circenses. Fazemos isso por conta própria.






domingo, 3 de abril de 2016

Os filhos e o tempo


 Já ouviram pessoas dizerem que crianças são isso e aquilo, “pena que crescem”?  Eu escuto isso desde pequena, inclusive quando a lamentação referia-se a mim: uma criança maravilhosa...”pena que vai crescer”.  No caso, EU ia crescer. Logo, deixaria de ser tudo de bom para me transformar em algo que eu nem sabia o que era, mas que não devia ser coisa boa, considerando a expressão de perda que geralmente acompanhava o comentário.
Até que tive as minhas próprias crianças. Talvez em algum momento eu tenha reproduzido essa fala tão comum.  É fácil sentir ‘pena’ de perder os bebês. Tão lindos, fofos, com aquelas roupinhas... Até que cresceram um pouco e começaram a andar e falar. Tão engraçadinhos!  Depois vieram as fases encantadoras da alfabetização, das perguntas incessantes, da proximidade com os amigos que logo viram sobrinhos emprestados.  Até os conflitos entre eles eram interessantes e, quando exigiam intervenção adulta, permitiam mútuos aprendizados. Aliás, falando por mim e por muitos pais e mães com os quais convivo, portanto ouço e observo, durante todo o período escolar somos mobilizados a participar de uma rede de aprendizados muito prazerosa que inclui o amadurecimento emocional dos filhotes. 
Quando chega a adolescência finalmente cai o véu e somos compelidos a enxergar a realidade de que os bebês se foram para sempre.  E que o que vem a seguir é algo por demais desafiador: lidar diariamente com o turbilhão emocional decorrente da brusca transição pela qual todos nós passamos e que exige dos pais, acima de tudo, MUITA paciência.  Mas acompanhar a saída definitiva da infância e o ingresso na vida adulta é também pura diversão!!  Porque nós mesmos ainda temos fresca a memória do que foi essa etapa das nossas vidas, diferentemente da já longínqua infância. Então é fácil reconhecer neles o que fomos e pelo que passamos há não muito tempo.  Eu mesma tenho bastante clareza de que alguns processos subjetivos que me construíram começaram justamente quando eu era adolescente e fico emocionada quando os vejo viverem situações semelhantes.  
Um dia, quando eu era criança, minha mãe me perguntou se eu seria sua amiga quando crescesse. Eu, lá pelos meus 4 anos de idade, respondi que não, claro! Como poderia ser amiga se eu já era filha? Naquele momento parecia que uma coisa era uma coisa e outra coisa só podia ser outra coisa. Foi por volta dos 40 fios brancos que eu me recordei desse diálogo. Algum fato qualquer, agora sem importância, acionou sinapses que me devolveram a cena e eu pude concluir que, pelo menos no meu caso, o desejo dela foi realizado e nos tornamos grandes amigas.  Duas mulheres adultas, uma cuidando da outra para sempre. 
Se a amizade entre pais e filhos é ou não algo inerente a essa relação, ou se tem seu alicerce em algum período específico, acredito que os pilares são construídos durante a adolescência. Uma fase belíssima para todos que dela participam e que às vezes é injustiçada pelo senso comum.  Eu sempre reajo quando pessoas vêm me dizer que agora que tenho adolescentes em casa é que os meus problemas vão começar. Digo que pelo contrário, tá cada dia mais legal ser mãe deles.
No balanço geral, apesar de sentir saudades de bebês que pediam colo, nunca senti pena de vê-los crescerem, justamente porque as novas aventuras não deixavam espaço para isso. Tudo é novidade, logo divertido e desafiador. Sem falar que o afago, o abraço, o beijo e a procura diante de uma dificuldade não desaparecem, apenas mudam de jeito. E se a saudade apertar basta olhar atentamente e veremos direitinho os nossos pequenos guardados naqueles corpos que vão ficando a cada dia maiores e diferentes. O olhar, por exemplo, não muda com o tempo.
Noutro dia, de bobeira, perguntei pra minha mãe se eu ainda era o bebê dela.  A resposta dela foi a única possível: “Claro que ainda é meu bebê!”
Como escreveu aqui no blog minha amiga Márcia, em qualquer fase da vida, “amor, sempre”.

quarta-feira, 30 de março de 2016

06:20h às 06:50h



_Bom dia!
_ ...
_ Já passaram cinco minutinhos.
_Ué, não levantou?
_ Não esquece o desodorante.
_ Penteie os cabelos.
_ Aqui o café.
_Pegue o lanche.
_Tá com remela.
_ Por que esses tênis?
_ A mochila tá arrumada?
_Penteie os cabelos.
_ Não escovou os dentes direito.
_Por que não vai pentear?
_Preste atenção na aula.
_Beba água.
_ Dá aqui um beijo.
_ Pelo menos passe a mão nos cabelos.
_Me liga na saída.
_Te amo.

sábado, 26 de dezembro de 2015

O que, de fato, move o (seu) mundo?

A pergunta do título é propositadamente ampla, com muitos sentidos e respostas possíveis.   Antes de ler as sugestões abaixo, tente respondê-la mentalmente.

...
...

O que move o mundo é o dinheiro?
O amor move o mundo?
Ou seria  a  gravidade do sistema solar?

Destaco um dos motores do mundo, que só pude enxergar com clareza depois do 40º fio de cabelo branco: a boa vontade.  Que é mais eficaz quando acompanhada de uma ferramenta muito eficiente: o sorriso. Basta prestar atenção para perceber o quanto um sorriso nosso é capaz de transformar o humor do outro. E o quanto de conforto nos traz um sincero sorriso quando o recebemos. 

Sobre a boa vontade, quando concretizada numa ação ou até mesmo numa omissão, pensemos nela nas duas vias que ora interessam: quando saímos de uma situação difícil por causa do auxílio de alguém que, em alguma medida, sacrificou seu tempo, dinheiro ou descanso por nós.  E, por outro lado, quando somos nós a socorrer outra pessoa numa dificuldade qualquer.  

Ainda na adolescência,  ouvi de uma tia que não costumo considerar uma pessoa sábia: “Com boa vontade tudo se resolve”.  Essa frase nunca me saiu da cabeça até porque foi dita durante um entrevero e coube perfeitamente na respectiva situação.  Eu estava de má vontade com um sujeito, nem um pouco a fim de qualquer esforço, muito menos sacrifício para facilitar a vida dele.  Por fim, acabei cedendo e a coisa toda se resolveu com um mínimo de mim, titia saiu com essa e eu até que me senti gratificada por ter colaborado.  

Tempos depois percebi que se eu estivesse disposta a ajudar desde o início do processo, metade do tempo seria poupado e  haveria menos angústia.  Além disso, os envolvidos teriam se sentido mais seguros e acolhidos. Em suma, mais felizes. Minha gratificação teria chegado mais cedo e não viria acompanhada de culpa pela má vontade inicial. Eu não teria ouvido a lição de moral da tia, justamente aquela que julgo não ser muito esperta - mas até que essa foi a parte menos pior considerando que serviu de inspiração para repensar “a vida, o universo e tudo mais”.  E se eu tivesse incluído um sorriso ao acontecido, não teria hoje a impressão de que minha má vontade inicial estava visível, estampada numa carranca facial; uma cara tão feia e que deve ter me enrugado tanto que acho que até agora não consegui alisar.

Mas foi a partir desse episódio que comecei a prestar atenção em situações parecidas e a reunir pedacinhos que já estavam espalhados pela minha vida. Hoje, quase 40 fios brancos depois, esses pedacinhos viraram lembranças de situações várias que poderiam ter sido diferentes se eu tivesse tido boa vontade com os que me cercavam.  Outros pedacinhos são falas que mesmo a essa altura da vida eu ainda estou escutando.  Tudo isso junto me ajudando na árdua e muito  importante tarefa de analisar atitudes passadas e presentes  na tentativa de separar as oriundas do mais sincero desejo de ajudar, daquelas que de boa vontade somente têm a aparência.  Porque, sim, a maturidade também ensina que há pessoas que procuram demonstrar boa vontade com os outros, não por empatia, mas porque sabem que um sorriso pode lhes abrir certas portas. 

É também típico da maturidade adquirir a consciência de poder escolher um caminho, seja o que exige esforço, talvez até algum sacrifício, tendo em vista a gratificação de fazer o bem. Ou o caminho da falsa boa vontade, interessada em algo diferente da simples oportunidade de fazer a diferença na vida de alguém.  Ademais, também é na maturidade que aceitamos que temos que  selecionar as pessoas com quem vamos dividir o percurso da vida.

Voltando ao tema inicial, o que move o mundo?  Se há uma resposta universal e absoluta temos o infinito para tentar descobrir. Por enquanto, fico com o individual e o relativo: para mim a boa vontade com o próximo e o sorriso são poderosas forças de atração entre seres humanos e, portanto, capazes de mover o (meu) mundo. O que me leva à conclusão de que os melhores seres humanos com os quais conviver são os que já alcançaram o degrau evolutivo que lhes torne espontânea a conduta por pura empatia.  E que, portanto, podem nos atrair para o seu nível superior já que estamos em constante aprendizado.

Essa é uma reflexão que antecipa as minhas perspectivas - nem promessas, nem metas - para o ano novo.  



domingo, 27 de setembro de 2015

Gostando mais ainda da cultura brasileira

Não sei se alguém já escreveu sobre isso, mas acho a nossa festa de Cosme e Damião muitíssimo mais interessante e importante do que o Halloween dos ‘isteites’. Comparo ambas porque têm em comum a distribuição de doces entre as crianças.
Lá, as crianças saem em busca de doces usando fantasias, despindo-se de quem realmente são. É bem bonitinho vê-las assim, como também no Carnaval. Mas aqui, a cada dia 27 de setembro, as vemos como de fato são: em hordas, gritando e correndo pelas ruas de shorts e chinelos com suas sacolas vazias e, depois, cheias de doces. Mais verdadeiro, espontâneo e bonito.
Lá, a abordagem é feita num tom de brincadeira, mas que carrega o paradoxo da lúdica ameaça: dá-me a gostosura ou terás minha travessura. Aqui, não há condições, apenas as mãozinhas abertas esperando que a cota de cada doador não acabe logo na sua vez.
Lá, as crianças seguem de porta em porta. Aqui, são os adultos que vão até os pequenos desconhecidos das ruas reconhecendo sua vez de serem presenteados.
Lá, a festa é das bruxas só no nome. Na estética é de razoável variedade de monstros e outros personagens oriundos da imaginação humana. Aqui, a tradição homenageia duas figuras que se tornaram históricas por fazerem o Bem. Ao que tudo indica, Cosme e Damião não foram santificados à toa. Assim como os Ibejís da umbanda também estão a serviço de elevada missão ao emprestarem sua força para a proteção das crianças com amor e alegria.
Não quero sugerir superioridade cultural porque isso não existe.  Mas como vivemos em tempos de viralatice crônica, reconforta perceber que temos algo que se situa alguns níveis acima em termos de humanidade.

sábado, 1 de agosto de 2015

OS TAIS 40 FIOS BRANCOS


Quando eu completei 40 anos de idade, acordei do mesmo jeito que fui dormir na véspera. Não havia qualquer sinal de que houvesse ultrapassado algum portal mágico para a dimensão das quarentonas, apesar das expectativas que me vinham sendo alimentadas desde o aniversário de 35. Mas o que eu esperava, afinal?
É que a gente passa a década dos 30 anos se preparando para uma grande virada, como se fazer 40 anos equivalesse a alcançar o marco mais significativo da vida. Como quando ouvi pelo menos dois amigos prometerem que fariam uma grande festa para comemorar a tão importante nova-idade dos 40. Também conheço gente que não queria nem falar sobre o assunto, muito menos comemorar. São muitos os exemplos de quem viveu essa expectativa com euforia ou ojeriza, passando por emoções intermediárias. A chegada dos 40 anos só não causa indiferença.
Lembro-me de minhas tias dizendo que quando a gente entra no “enta” – a famosa série dos quarenta, cinquenta etc. - dele não sai mais, tipo prisão perpétua.  E a minha mãe sempre dizia que “depois dos 35 é que aparece tudo”, ou seja, as doenças começariam a surgir e tomar o lugar da saúde quase plena e do gosto pelos excessos que caracterizam a juventude. Em suma, o recado era claro: aproveite a vida antes dos 40 porque depois...
A pressão não é pouca, portanto. Principalmente para nós, mulheres, criaturas cujas vidas seguem pautadas por tantas metas às vezes difíceis de serem conciliadas, sendo a mais perversa de todas a busca pela juventude eterna. Muitas de nós caímos nessa armadilha (im)posta diariamente por quem pretende ganhar com a ansiedade pela permanência da juventude. Quem são esses? Basicamente os Lordes Siths que lucram com produtos e serviços especificamente direcionados às mulheres, mas nem sempre para seu conforto. Para que a estratégia dê resultado ($$$) vão incutindo em nós um tipo de resistência nada saudável ao amadurecimento, podendo virar fobia.  As ferramentas não estão ocultas e a propaganda é a mais poderosa de todas, pois nos faz acreditar que não podemos ser quem somos e ainda nos leva ao consumismo que colabora para a degradação da nossa casa planetária.
Sabemos de tudo isso, intuitiva ou racionalmente. Difícil é organizar ideias e sentimentos e, depois, colocar as defesas em prática. Como resistir?
Partindo da premissa da vulnerabilidade individual diante da propaganda, torna-se compreensível que quem segue à risca a agenda do esticamento da juventude sinta um certo medinho na porta dos 40 anos.  E o medo aprisiona.
Eu acredito que seja possível escapar disso trilhando o caminho ao lado.
Vim aqui porque quero compartilhar ideias e fôlego. E porque acredito que seja possível viver uma boa vida sem ser o tempo todo apanhada pelas armadilhas da propaganda e da indústria; que seja possível estar bem, simplesmente, com saúde e alegria, mesmo convivendo com dúvidas.  E para confirmar que a coisa toda não acontece só comigo.  
Estamos no mesmo universo observável, logo, aproveito para registrar aqui que sei que não  existe uma fórmula de felicidade e reconheço que nadar contra a corrente do consumismo e da juventude a qualquer custo pode ser, sim, bem cansativo.   
Aproveito pra deixar claro que não cheguei aos 40 com rosto de 25 e corpinho de 22. Por causa do gravíssimo pecado de dormir pouco que ainda cometo, meu espelho me diz que tenho mais idade do que a minha certidão de nascimento atesta. Ainda assim curto horrores dizer que já tenho 41 e meio e até deixei isso público no Facebook. Dependendo do contexto, do meu humor e do receptor da mensagem, eu digo que tenho muito mais, por pura diversão, só pra ver a reação das pessoas. Ou por implicância mesmo, quando digo em voz alta que tenho mais de 50 perto daquelas tias que têm pavor de que saibam suas idades.  Por outro lado, sempre que devo dizer quantos anos tenho com máxima precisão a resposta é esta: 41 anos e dois filhos lindos (minha idade favorita). 
Fato é que optei por lidar com a coisa toda com o máximo de graça em vez de drama.
Com mais de 40 fios brancos na cabeça entendi que seria bacana dizer para outras garotas e para alguns caras o quanto é legal não ter que mentir sobre idade e que podemos nos divertir muito durante os “enta”. Principalmente, se tivermos uns aos outros para conversarmos sobre a infinitude de temas que têm a ver com essa fase tão legal da vida.  Assim, pelo menos, a gente se diverte.